Estava tão acostumada a fingir – como rotina, costume e profissão – que conseguia convencer a todos sobre o sentimento que queria transparecer. Às vezes fingia um sorriso, outras vezes uma virtude ou então uma opinião. Era triste tantas vezes no dia que perdera a conta, mesmo porque contar tristezas era difícil por ela mesma se confundir sobre quais momentos realmente era ou deixara de ser, por fingir tão bem.
Toda a sua vontade era a de ficar deitada durante o dia inteiro por horas, sem dormir, sem ouvir musica, de preferência sem pensar, apenas estar ali com toda aquela insegurança que era ser ela mesma. A cama e o quarto fechado davam-lhe uma impressão confortável e ao mesmo tempo angustiante de ser apenas ela.
Fingia não ouvir quando batiam à porta com convites para sair, era tão difícil recusar um convite pra se divertir porque todos acreditavam que era disso que ela gostava e ao mesmo tempo aceitá-los era ir de encontro com o que pregava a si mesma (naqueles momentos de solidão sem pensar e sem dormir). Algumas vezes ela fazia um esforço imenso pra sair do casulo que se encontrava e ia, mas o tempo todo pensava que aquilo ali era como se fosse um pagamento pelo fato de viver, como se tivesse pagando o aluguel do pedacinho de mundo que ocupava, e que, no entanto, provavelmente, também não era o dela.
Ela saia de casa pra se divertir apenas pra provar que sair nunca mais poderia ser divertir, apenas pra medir qual o grau de solidão era maior (quando estava só ou acompanhada). Saia como obrigação, como pagamento, como promessa, como provação.
Sempre voltava com a certeza da certeza, certeza esta que ela não queria ter. Certeza de ter nascido pra ser só e que apenas quando não era ela mesma poderia ser dupla, casal, trio ou grupo. Somente quando fosse outra poderia pertencer, enquanto isso, na maioria do tempo, lutava pra ser sozinha e sincera durante, pelo menos, o tempo que merecia e que precisava ser.
“Eu vou porque é preciso ter histórias, viver coisas, sair de casa, mas nunca vou realmente. Sempre me sinto ocupando de favor o lugar da personagem real que está doente ou enlouqueceu. Assim que coloco o pé pra fora, viro uma substituta de qualquer um que sabe viver. Uma coadjuvante de mim que rouba a cena porque os engraçados sempre roubam” Tati Bernardi
domingo, 30 de agosto de 2009
Das coisas que ninguém pode saber!
sábado, 29 de agosto de 2009
Às vezes dói mais!
Na maioria do tempo consigo fingir que já esqueci, consigo até mesmo acreditar que você nunca existiu, mas infelizmente nem todos os meus dias são tão ocupados. Pra dizer a verdade ando ocupando meus dias apenas com o que não é diversão. Ando de luto sem usar o preto, e apenas não visto preto pra que ninguém me pergunte qual a minha dor, porque se eu começar a falar lembrarei, então ando por ai colorida só pra não ter que falar de ti, e mesmo assim, as vezes ainda dói tanto.
Quando tudo o que há em mim é o silencio da ausência (é o nada que sempre tive e enfeitava-o de tudo) não faço bagunça, não canto e nem me maquio. Não procuro abrigo em lugar algum que não seja do lado de dentro. Quando tudo o resta é o silêncio, me faço também silenciosa. Quem sabe assim, desta maneira sincera e respeitosa, eu consiga me refazer na mulher que acredito ser e que ainda não sou, na mulher que não se permite doer uma dor que não faz sentido.
Enquanto faço de mim mesma meu abrigo e do silêncio minha solidão, vou dormir pra que este mistério que é o mundo que roda-roda e parece não sair do lugar não me angustie demais, para que eu ainda possa acreditar no amanhã, possa acreditar em mim, no amor que ainda virá, nos trevos de quatro folhas, numa paz que não doa o coração...
“A gente faz as coisas pra matar dentro da gente e morre junto. A gente faz pra ferir quem pouco sente nossa existência e vai, aos poucos, deixando de existir pra gente mesmo. A gente faz pra provar que também existe sem amor e acorda se procurando no dia seguinte.” Tati Bernardi
domingo, 23 de agosto de 2009
Clarice entenderia!
"... perder-se também é caminho" C.L.
O único problema é a angustia, ela que me aprisiona nesta sensação de estar inerte, sem ela a sensação de descoberta já teria sido transformada em certeza.
A angustia de não ter, não querer e de não saber faz com que eu tenha sensações tão intensas querendo explodir e não saiba como. Foi quando fiquei apenas comigo mesma é que percebi que talvez eu não saiba pra onde ir, não por falta, por excesso de opções.
Neste processo de descoberta que nunca acaba percebi o quanto de tudo que existe dentro do nada. É o nada que me angustia... o nada e o tudo.
“Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.” Miguel Torga
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Eu VOU só!
Podia ter caído e não querer levantar. Podia me lamentar, me ausentar, me abandonar... Podia ter ficado com preguiça de amar.
Mas a terra está molhada (terra molhada pede pra ser plantada e minha vista pede paisagem).
Eu, da janela do meu quarto, devo admitir, ainda olhava a tudo um pouco desconfiada, sem saber se o que era flor em mim já tinha brotado o suficiente pra me expandir. Pensava se não era melhor aumentar o tempo de semeio até que as sementes brotassem pela minha pele.
Foi aí que avistei um fino raio de sol, ainda tímido, mas fazendo brilhar pequenas gotinhas que insistiam em cair fingindo ser garoa, lembrando-me de ditados, de cores, de cheiros e sensações, que eram minhas e que não vinham de ninguém, eram minhas e do meu contato com o que é natural.
Quando me vi, estava ali, respirando outros ares, brincando de recomeçar, partindo de mim, pousando em mim. Fazendo daquela terra molhada meu futuro jardim, com sementes que nasciam do meu olhar de criança que só quer brincar, de mulher que é capaz de amar (principalmente a si mesma).
No fundo
Terra molhada!
Mas não venha me roubar”
Depois do fogo surgiu o choro, o sono, o acordar, a chuva, solidão, ausência... Terra, depressão, tombo, pés, paz, paciência... surgiu a dança, esperança, corrida, bonança...
Em meio ao que era o nada, surgiu o tudo e entre o tudo que veio, veio um desejo por começar da terra, começar do nada, começar de mim.
Então me rendi a amar apenas o que eu tinha, apenas o que era meu, apenas eu.
sábado, 15 de agosto de 2009
Fogo no jardim!
O jardim não entendeu nada, ele se achava tão bonito, forte e convincente, achava mesmo que a menina nunca se cansaria de morar ali, também a menina achava que não desistiria assim tão fácil... tão fácil? Ela que viu este jardim ser plantado como um presente pra ti e abandonado logo em seguida (pelo tal Menino do Leste), ela que dispensou todos os bouquets que fora presenteada em nome de um amor incondicional pelo tal jardim, ela que abandonou tua casa, teus costumes e teu orgulho próprio pra morar onde só ela acreditava ser o seu lugar, ela , ela , sempre ela. O jardim apenas ficou ali e achou-se superior a toda e qualquer tempestade ou tempo ruim.
A menina se revoltou. Cansou da dita superioridade do tal jardim por todos os outros. Ela mesmo conseguia lembrar de todos os jardins mais belos que um dia já tinha conhecido (aliás, lembrava também que já havia conhecido donos de jardins melhores do que o tal Menino do Leste) e o que irritava a menina, de verdade, era a não presença do criador do jardim em nenhum momento, porque ela havia de cuidar do jardim sozinha, sendo que fora os dois que o cultivaram? Ela se sentia meio mãe solteira de um jardim, justo ela que não tinha habilidade alguma pra ser mãe.
Foi então que ela desistiu da idéia de matar o jardim pouco a pouco, flor a flor... ela percebeu que assim ela também morria aos pouquinhos. Não. Era preciso matá-lo com um só golpe, sem deixar vestígios ou chance de recuperação. Sem pensar duas vezes, ela pegou um fósforo nas mãos, acendeu e jogou na primeira flor que viu. Foi pra calçada e ficou ali observando o jardim se incendiar por inteiro. Não havia choro, nem riso, nem orgulho, nem tristeza, nem arrependimento, nem nada. Ela lembrou-se de algo e, num gesto bruto, correu, atravessou a rua, entrou em casa, procurou pelo seu baú, procurou pela asa de anjo que há anos deixava guardada, pegou, correu, atravessou a rua e, sem pensar duas vezes, jogou a asa justamente no lugar onde o fogo estava mais forte. Ficou ali observando. Quando tudo do jardim virou apenas chama ela respirou aliviada. Deu as costas e voltou para sua casa.
Deitada na cama, a menina sentiu-se bem, sentiu-se leve e completamente vazia, o que era bom, porque agora teria que passar o resto dos seus dias cuidando do seu próprio jardim, aquele que ela mesma plantaria e cuidaria – aquele que morava dentro dela.
Lembrou-se da janela e, pela primeira vez, não sentiu vontade nenhuma de abri-la, nem para ver o jardim, nem para esperar pelo menino que nunca a quis amar.
“E cada chaga que a gente traz na alma
Pois ninguém vive conto de fadas”
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Inevitável
Todo mundo quer cuidar de mim
(Brava)
A queda é inevitável, foi uma escolha. Não é um simples cair, é uma queda voluntária, um se abandonar, um plano, uma ousadia...
Neste momento minhas previsões não funcionam tão bem quando comparadas a outros momentos racionais, pois não se trata de razão, contudo também não é inconsciente, é uma atitude irracional consciente, se é que é possível!? (e se deixar-se cair pode ser considerado mesmo uma atitude, creio eu que a não resistencia também é ação, não?). Sendo assim, não posso prever os resultados da queda, nem tão pouco o impacto ou seu tamanho.
O que me sobra é imaginar se durante a queda, alguém se colocará a postos a fim de amortecê-la, se terei vontade de subir a montanha novamente, se me contentarei com os baixos montes, ou ainda, se a dor trará cicatrizes visíveis às outras pessoas.
E tudo isso passa na minha cabeça neste instante de segundo que dura a semana inteira, que dura o mês, que dura o tempo que for necessário pra que esta solidão que você deixa sempre quando vai embora (ou este vazio que me deixa ainda mais leve pra queda) me conduza até o chão.
Eu, que de sozinha e leve, ando cada vez mais triste por perceber que a queda não me causa mais tanto medo, porque é tudo o que me resta. É inevitável.
“...faz de conta que ela não estava chorando por dentro - pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado” (Clarice Lispector)
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
O dia em que a menina foi morar no jardim!
Fingir que ele não era importante, ou que as flores que alguns moços lhe presenteavam eram melhores e mais bonitas não adiantava mais (ainda que fossem realmente). Por isso ela foi morar no jardim, pra se cansar dele, pra enjoar (do perfume, da cor e, principalmente, dos espinhos).
Estava convicta de que se percebesse o trabalho que dava cultivar o jardim, da dor que causava os espinhos e o sol quente, da tristeza de tentar plantar alguma flor bonita e tê-la morta por ervas daninhas... daí sim, ela ia conseguir se livrar do amor pelo jardim.
Era ainda o primeiro dia e a ausência de sua casa, de sua cama, e das flores de bouquet na janela já causava tristeza. Mas ela era menina decidida e teimosa, por isso continuaria ali, continuaria fingindo que por enquanto estava bem, tranqüila e satisfeita. Aos poucos, ela tinha certeza, o sentimento pelo jardim iria mudar, enjoaria da rejeição que ele fazia questão de demonstrar por ela, e ainda tinha esperanças de que a cada dia choraria menos antes de dormir... até o dia que simplesmente não choraria mais.
"Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar.
É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim.
Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto, mas eu não quero outro canto, eu quero insistir no nosso canto.
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista."
Tati Bernardi
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Nada?
Então o encontro depois de um ano inteiro, da forma menos convencional do mundo, é nada? O beijo depois de sei lá quanto tempo é nada? Nossas idas e vindas, querer e não poder, risos e lágrimas, encontros e despedidas.... é nada?
Então tanto faz o tempo ou a saudade, a vontade, o cheiro, a respiração, a pele, o pedido... nada, nada??
Então quer dizer que tanto faz? Que se eu fugir e não voltar nunca mais, se nunca mais você tiver a minha carência cotidiana, a minha voz no teu ouvido, o meu cheiro no teu corpo, minhas mensagens, meu número tocando o teu telefone, minhas palavras desmedidas, minhas mãos, unhas, peito e boca... tanto faz?
Então eu fantasiei, acreditei naquilo que eu não ouvia, fingi que era tudo sincero quando nossos olhos fechavam e não me importei com teu grito mudo dizendo não querer?
Então é só? E tudo que eu tenho é o teu medo engessado na parede do meu quarto, aquilo que eu teimo em olhar e pensar que é passado, que é futuro, que é você?
Então pra você tanto faz? Porque você não guarda nada do nosso passado, não tem nenhuma lembrança, e tudo (ou qualquer coisa) foi sem relevância, carta ruim do baralho, papel jogado fora junto com teu entulho de homem adulto, passado que não volta?
Então é isso?
Então é NADA?