sábado, 15 de agosto de 2009

Fogo no jardim!


Não foi um espinho grande, era um pequeno espinho e, no entanto, a menina gritou muito alto. Já estava mais do que cansada de ser ferida todos os dias, e já começava a pensar que nem valia tanto a pena a beleza das flores pelo trabalho que elas davam, pela chuva que tinha que tomar por não ter onde se proteger, e principalmente pelos espinhos que cada uma tinha.
O jardim não entendeu nada, ele se achava tão bonito, forte e convincente, achava mesmo que a menina nunca se cansaria de morar ali, também a menina achava que não desistiria assim tão fácil... tão fácil? Ela que viu este jardim ser plantado como um presente pra ti e abandonado logo em seguida (pelo tal Menino do Leste), ela que dispensou todos os bouquets que fora presenteada em nome de um amor incondicional pelo tal jardim, ela que abandonou tua casa, teus costumes e teu orgulho próprio pra morar onde só ela acreditava ser o seu lugar, ela , ela , sempre ela. O jardim apenas ficou ali e achou-se superior a toda e qualquer tempestade ou tempo ruim.
A menina se revoltou. Cansou da dita superioridade do tal jardim por todos os outros. Ela mesmo conseguia lembrar de todos os jardins mais belos que um dia já tinha conhecido (aliás, lembrava também que já havia conhecido donos de jardins melhores do que o tal Menino do Leste) e o que irritava a menina, de verdade, era a não presença do criador do jardim em nenhum momento, porque ela havia de cuidar do jardim sozinha, sendo que fora os dois que o cultivaram? Ela se sentia meio mãe solteira de um jardim, justo ela que não tinha habilidade alguma pra ser mãe.
Foi então que ela desistiu da idéia de matar o jardim pouco a pouco, flor a flor... ela percebeu que assim ela também morria aos pouquinhos. Não. Era preciso matá-lo com um só golpe, sem deixar vestígios ou chance de recuperação. Sem pensar duas vezes, ela pegou um fósforo nas mãos, acendeu e jogou na primeira flor que viu. Foi pra calçada e ficou ali observando o jardim se incendiar por inteiro. Não havia choro, nem riso, nem orgulho, nem tristeza, nem arrependimento, nem nada. Ela lembrou-se de algo e, num gesto bruto, correu, atravessou a rua, entrou em casa, procurou pelo seu baú, procurou pela asa de anjo que há anos deixava guardada, pegou, correu, atravessou a rua e, sem pensar duas vezes, jogou a asa justamente no lugar onde o fogo estava mais forte. Ficou ali observando. Quando tudo do jardim virou apenas chama ela respirou aliviada. Deu as costas e voltou para sua casa.
Deitada na cama, a menina sentiu-se bem, sentiu-se leve e completamente vazia, o que era bom, porque agora teria que passar o resto dos seus dias cuidando do seu próprio jardim, aquele que ela mesma plantaria e cuidaria – aquele que morava dentro dela.
Lembrou-se da janela e, pela primeira vez, não sentiu vontade nenhuma de abri-la, nem para ver o jardim, nem para esperar pelo menino que nunca a quis amar.

“E cada chaga que a gente traz na alma
É a confirmação de que a ferida sara (...)
Pois ninguém vive conto de fadas”

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